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Em entrevista, professor Carlos Augusto Calil fala sobre os efeitos do coronavírus no setor cultural
Em 2018, o setor cultural era responsável pela ocupação de 5,2 milhões de brasileiros, de acordo com pesquisa do IBGE. Teatros, shows, cinemas, festivais… todos esses espaços culturais são movidos por uma premissa: precisam de gente. Não só gente para assistir, mas também para fazer com que tudo aconteça. Agora, com a pandemia do coronavírus, a cultura enfrenta um novo desafio. É mais uma prova entre tantas outras que o setor já vinha enfrentando, em particular no Brasil. Ao mesmo tempo em que há a valorização de filmes, livros, música e séries, elementos essenciais para o entretenimento durante o período de isolamento social, vê-se também um cenário bastante complicado para artistas, realizadores, escritores e outros profissionais da área. Mesmo com adaptações para os meios virtuais, uma live no Instagram ainda está longe de proporcionar a mesma experiência que um show presencial. Em entrevista, o professor Carlos Augusto Machado Calil, do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR), comenta os impactos da covid-19 para a cultura. Calil tem uma longa trajetória de trabalho em órgãos culturais públicos, tendo sido diretor da Cinemateca Brasileira e do Centro Cultural São Paulo. O docente também foi Secretário Municipal de Cultura de São Paulo durante sete anos.
Além da perda de dinheiro, quais outros impactos o setor cultural poderá sofrer com a pandemia?O impacto será imenso, pois interrompe a produção, que gera a receita – ou o prestígio – que faz manter a atividade. Se a pandemia for longa, ela pode desabituar o público, o que traria consequências ainda piores. Há quem diga que nada será como antes, que haverá uma ruptura nos padrões de consumo cultural, por exemplo, na indústria de shows, que passará a evitar aglomerações. É possível que eventos como a Virada Cultural e Rock in Rio estejam definitivamente fora da agenda futura. No caso da Virada seria um grande retrocesso, pois ela representou a conquista da rua, do espaço público, pela população. Muitas estreias de filmes foram canceladas ou adiadas. Como isso afeta a dinâmica do setor audiovisual? Pensando também em premiações, festivais...A dinâmica dos lançamentos em cinema tem uma lógica própria, que depende de datas, de circuitos, de concorrência. Uma vez interrompido esse fluxo, tudo se desorganiza e a volta à normalidade dependerá de inúmeros fatores, difíceis de controlar. Os festivais servem como vitrine para os filmes. Conforme a repercussão e as vendas nos festivais, se definem novos projetos, a dimensão dos lançamentos, o investimento em marketing, as datas preferenciais. Alguém dirá que bastaria lançá-los nas plataformas, dispensando a exibição nas salas. Essa é a visão de quem não conhece o modo de funcionar da indústria, que precisa do lançamento nas salas de cinema para precificar o filme, em função do seu desempenho junto ao público. Mesmo a Netflix, que está criando um novo modelo de negócios, ainda não dispensa o lançamento em salas. Veja-se o exemplo recente de “O irlandês”, último filme de Scorsese.
Cinemas são os primeiros a serem fechados para evitar aglomerações. Foto: Paul Yeung/Bloomberg. Muito se fala sobre os impactos negativos do coronavírus na cultura, com o cancelamento de shows, peças e estreias de cinema. No entanto, podemos dizer que há também um saldo positivo, dado o aumento no consumo de produtos culturais pela internet?Não creio que a questão possa ser analisada nestes termos. Uma perda generalizada não compensa eventuais ganhos num setor. O consumo cultural se faz na diversidade de linguagens e meios. Um bom filme na internet não compensa um show cancelado. Nem um show gravado e disponível na internet substitui plenamente a experiência de vê-lo ao vivo. Assistir a uma peça de teatro gravada no computador nem de longe se assemelha à presença do espectador na plateia de um teatro. Quais medidas deveriam ser tomadas por parte do governo, das empresas e da sociedade civil para minimizar os efeitos negativos da crise?No momento, é crucial continuar contratando os artistas. Mas se eles não podem se apresentar, como fazer? Num primeiro momento, os contratos podem prever um evento futuro, quando a calamidade pública cessar. Para poder liberar recursos a um projeto futuro, teria que ser prevista uma etapa de pesquisa e o custo dessa pesquisa seria liberado no ato da contratação, dando fôlego financeiro aos artistas no momento agudo da crise. Creio que o Sesc, os institutos culturais, as secretarias de cultura poderiam começar a agir nesse sentido, mas o grande problema continua a ser o governo federal. Na atual gestão, todas as atividades foram paralisadas por motivos ideológicos. Por outro lado, as equipes à frente dos órgãos federais desde 2019 mostraram-se incapazes de operar a máquina pública. A combinação de veto ideológico com incompetência é uma fórmula fatal; nem precisava de uma pandemia para silenciar a cultura do país. O senhor acha que, após esse período de isolamento e cancelamentos, haverá um boom no setor cultural, ou seja, mais produções serão feitas, haverá uma nova visão, novos investimentos para a cultura?Difícil saber. Há dois cenários possíveis. Um é esse que você sugeriu. É baseado na experiência histórica. Ruy Castro narra em seu último livro que após a gripe espanhola, que matou muita gente em 1918, o Carnaval seguinte foi uma loucura, liberou geral no Rio de Janeiro. Outro cenário possível é oposto. A pandemia atual significaria uma ruptura com os hábitos prévios e a maneira de se relacionar com as atividades culturais teria de ser reinventada.
Texto e entrevista: Maria Eduarda Nogueira Imagem do destaque: Romanian Insider
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